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Era uma vez um ano que ia ser novo. Estava muito nervoso, nunca tinha sido ano novo anteriormente. É daquelas coisas que só acontecem uma vez na vida. A passagem de ano foi muito difícil, as badaladas não o deixaram dormir, mas o pior foi ter de lidar com aqueles desejos todos que as pessoas lhe pediram. Como é que ele podia satisfazer aqueles pedidos todos e dar vazão a tanta passa? Para não falar, naturalmente, das cores da roupa interior – é certo que havia um catálogo a explicar os diferentes significados – mas era muita informação para um ano recém-nascido e todos sabemos que, nos primeiros tempos, os anos são todos verdes. Depois, com o tempo – é assim com tudo, sobretudo com o próprio tempo – lá percebeu que era um velho costume das pessoas, esse de pedirem ao ano novo coisas que só elas podiam concretizar. Achou estranho, na verdade, ainda perdeu uns segundos a tentar encontrar uma explicação, mas teve de esquecer o assunto e virar a página. Sim, dizer que o tempo tem a resposta para tudo não passa de um mito. Ora bem, os dias foram passando e desmascarando a verdadeira natureza das passas: parece que não eram desejos camuflados, mas vinham das uvas. Enfim. Uvas sem escrúpulos, a enganar assim as pessoas. Em novembro, o ano inicialmente novo, que já não ia para novo, começou a sentir umas pontadas nos ponteiros dos minutos e percebeu que o seu fim se aproximava. Depois, em dezembro, fez o balanço do ano e, ao abanar, caíram-lhe umas críticas em cima: que podia ter sido melhor, que o ano que vinha a seguir é que era. O costume. Ele estava de consciência tranquila e, se pudesse voltar atrás, teria começado novamente por janeiro. Ninguém agrada a toda a gente, e é verdade que há anos mais difíceis do que outros, outros armam-se em atletas e passam a correr, mas o importante é deixar de acreditar em passas e mostrar-lhes quem é que manda.