...
14.01.23, Anathema
Ao longo da vida, vamos acumulando muitas coisas. Vamos guardando muitas coisas. Muitas. Guardamos coisas que deixaram de servir, mas temos pena de deitar fora. Temos medo de que o passado vá atrás. Temos medo de perder para sempre o que já não temos. Queremos guardar o cheiro dos nossos filhos bebés, queremos guardar o primeiro dente, queremos guardar o tempo em que eramos só nós na vida deles. Guardamos coisas que já não usamos, mas que pensamos que ainda podem fazer falta. Nunca se sabe, pensamos nós. Guardamos coisas só porque nos esquecemos do sítio onde as guardámos. Guardamos coisas por falta de tempo de arrumar os dias. Vamos guardando outras por preguiça. Às vezes, só pelo hábito de guardar. Às vezes, pelo medo de vermos as mãos vazias.
Mas, às vezes, aquilo que guardamos só ocupa espaço e tolhe-nos os movimentos. Às vezes, ocupa espaço e não tem lugar. Às vezes, quando os dias são de tempestade e nos sentimos ir ao fundo, temos de encontrar a leveza que nos permita vir à superfície. É preciso aliviar a carga e deitar fora essas coisas que guardámos e que nos sobrecarregam. Temos de deitar borda fora o rancor e a frustração. Atirar fora as ofensas e as palavras mal amadas. Deitar fora o que nos faltou na hora em que precisávamos. Temos de deixar ficar aquilo que não nos deixa andar. Aquilo que nos puxa para o que não tem remédio. Temos de deitar fora tudo aquilo de que não precisamos e trazer apenas connosco as coisas que nos são indispensáveis. Temos de deitar fora aquilo que nos pesa e deixar ficar só o que tem peso. Quanto mais peso tiverem as coisas para nós, mais leves se tornam. O amor, a bondade e a generosidade têm essa leveza das coisas que realmente importam.
lado.a.lado