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Vertigem
Tem saudades dela. Deambula pela casa, sentindo-lhe a presença.
Na sala, as conversas ao serão, a manta partilhada nas noites mais frias, o silêncio cúmplice enquanto cada um lê o seu livro.
Na cozinha, os cheiros da comida saudável, os sabores dos cozinhados de forno, as cores das saladas preparadas a dois.
No quarto, dois corpos nus, em estado de graça após uma dança ao som da música dos sentidos, retomam um respirar suave, envolvidos num abraço de comunhão.
Passeia pelas divisões e todas lhe parecem espaços alheios, aos quais não sabe pertencer sozinho.
Senta-se no chão do escritório e chora, em silêncio, para não a perturbar enquanto ela trabalha. Estranho na própria pele, experimenta uma espécie de morte em vida, não consegue discernir o que é real.
Sai à rua. Tem esperança de a encontrar mas medo de a ver feliz ao lado de outro homem. Numa vertigem sem controlo, procura-a no rosto de cada mulher com quem se cruza. Mil vezes a reconhece e mil vezes se engana.
Talvez um dia, tudo não passe de uma memória difusa e ele retome o equilíbrio. Talvez um dia, este presente se torne num passado incapaz de magoar. Talvez um dia, ele possa voltar a ser dono de si mesmo.
Soltas Letras