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Anathema, 02.07.21
É noite,
espreito a rua
como se ela fosse a casa
que te recolhe.
Sou intrusa
no meu próprio lar.
Conheço a minha raiva:
quero apartar-me do teu corpo,
roubar os olhos
que incendiaste noutra mulher.
Quando chegares,
as tuas mãos,
eternas parteiras de mim,
os meus pulsos deceparão.
Vê o que fizeste de mim:
sou tão sombra
que não me distingo do chão,
esse chão feito apenas
para de mim te afastares.
Vê o que faço sem ti:
não encontro sono onde dormir
nem me resta luz para acordar.
Como posso viver
com tão pouca vida?
Há mulheres
que estão vivas
quando se lembram.
Esquecer
é o que, a mim,
me faz ser mulher.
Mia Couto
Em "Lumes"
Livro "vagas e lumes"