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STATIO X – DESNUDAÇÃO - Renato Lôbo
Ao crucificarem-no, os soldados repartiram o seu mando em quatro partes. Uma parte para cada soldado. Deixaram de lado a túnica. Era uma túnica sem costura, feita de uma peça única, tecida desde cima, por inteiro. Então combinaram: Não vamos dividi-la. Lancemos a sorte para ver com quem fica. Isso aconteceu para se cumprir a escritura que diz: Repartiram meu manto e sortearam minha túnica. Foram os soldados quem fizeram isso. (Jo 19,23-24).
Chegou o momento. Não há palavras. A palavra criadora está desnudada, exposta, inteiramente nua, ao escárnio dos seres criados. Não sobrou nada a ele. Não sobrou nada dele. Nem corpo nem dignidade. Ao arrancar as roupas, já no corpo a algum tempo, o sangue misturado ao suor e à poeira, colado às roupas, é arrancado junto. As feridas são novamente abertas. Você já se feriu numa ferida aberta?
Nudez, dor, vergonha, exposição, indignidade. Nesse momento, começa a grande descida, a jornada ao fundo do nada. Ou será uma subida ao encontro do Tudo?
O mando significava para os hebreus a essência da intimidade. Agora que tudo foi retirado. Tudo foi dado. Nada foi retido. Tudo o que não é dado é perdido. A nova veste se encontra ali, do lado: madeiras toscas, pregos, e a surpresa de muito ódio pela frente. “Meu povo que te fiz eu, diz em que te contristei. Responde-me.”
Era preciso? Sim. Era preciso.
Quando os homens o despiram arrancando-lhe a última veste, arrancaram-se o último ter, mas deixaram todo o ser. Foi o maior de todos os resgates para quem responde por homens cuja essência se afora nas roupagens extravagantes do verbo possuir.
Tudo o que não é dado é perdido.