Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Descobrir a plenitude entre Bashô e Jack Kerouac
No universo poético talvez não esperássemos, em jeito de introdução, ler isto no livro saído da imaginação de um sacerdote (e também poeta e professor entre muitas outras coisas): «Para dizer a verdade, este livro deve tanto a Jack Kerouac como a Bashô.» Quem o diz é José Tolentino Mendonça em “A Papoila e o Monge” (Assíro & Alvim, 2013), livro onde se poderá reencontrar o equilíbrio da vida ou, simplesmente, beber cada palavra como um refrescante copo de água num daqueles incendiários dias de Verão.
Foi através de Kerouac e do seu “Book of Haikus” que Tolentino Mendonça descobriu o haiku japonês, «uma composição de três versos, com métrica fixa (5, 7 e 5 sons), muitas vezes sem rima, propondo-se como um instantâneo que dá a ver o flagrante e o implícito, o assombro e a tensão inerentes à vida.» Daí a Bashô, como poderão imaginar, foi um pequeno passo.
“A Papoila e o Monge” surgiu de um convite do Centro Nacional de Cultura, no final de 2010, para Tolentino Mendonça integrar uma viagem ao Japão, qualquer coisa como os portugueses ao encontro da história. O papel do poeta foi o de escritor convidado, ficando com o compromisso de fazer algo com a experiência aí vivida, e que o levou a sítios como Quioto, Nara, Kobe, Nagasaki, Kagoshima e Tóquio.
De regresso a Portugal, José Tolentino Mendonça era provavelmente apontado por alguns como alguém que tinha aproveitado para ir de férias pagas, já que ninguém lhe tinha visto tirar uma única nota. O poeta explica: Atravessei aqueles lugares sem conseguir escrever uma palavra. Não me sentia capaz. Falei com várias pessoas(…). Mas, uma vez ali, só conseguia estar. O que quer que escrevesse, precisava de distância. Ou de uma proximidade maior do que aquela, feita de um chegar e de um partir.
Dividido em seis partes – escola do silêncio, vida monástica, guia para perder-se nos montes, amanhecer na primeira cidade, amanhecer na segunda cidade e livro das peregrinações -, este livro tem tanto de contemplação como de religiosidade, num lugar onde o silêncio e a solidão, sempre presentes, adquirem o poder da libertação individual, até que esta se torna, quem sabe, na melhor das companhias (mesmo que momentâneas): «Um dia/ arderás o caminho/ para que ninguém siga os teus passos.»
Uma fantástica e obrigatória viagem interior, por entre a natureza, mesmo para aqueles que não tenham (um) Deus a guiar-lhes os passos.