27 Out, 2024
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“Poderia ter dito ‘envelhecer é miserável, insuportável, doloroso, horrível, deprimente, mortal,’ mas escolhi ‘cachorro’ – um adjetivo que carrega uma força sem tristeza. Envelhecer é uma merda, pois não sabes exatamente quando começou, nem quando vai acabar. Não é verdade que envelhecemos desde que nascemos; passamos boa parte da vida na pele de alguém vigoroso, invencível. Nos sentíamos conquistadores do mundo, como se o tempo não pudesse nos alcançar.
Mesmo aos cinquenta, a vida ainda era plena; aos sessenta, ainda havia músculos, projetos, desejos. E ainda tenho isso tudo dentro de mim. Mas então, um dia, vi o olhar dos mais jovens. Homens e mulheres no auge de suas forças já não me viam mais como um deles, e, de repente, eu soube: algo tinha mudado. Li nos olhos deles, até dos meus próprios parentes, a distância sutil, mas implacável. Não haveria mais indulgência – só uma polidez distante, uma admiração educada, mas impiedosa.
Sem perceber, eu havia cruzado uma fronteira invisível, o apartheid da idade, onde a força dos sonhos ainda existe, mas os olhos ao redor enxergam apenas as marcas do tempo.”
— Bernard Pivot, Palavras da Minha Vida (2011)